Conversava agora pouco com uma grande amiga sobre
relacionamentos. Ela, apesar de mais jovem do que eu, depositou em minhas mãos
uma sabedoria infinita: a falha dos relacionamentos atuais está no medo. Ao
refletir sobre isso, após um longo banho quente, pude concluir que é realmente
isso que impede grande parte dos relacionamentos acontecerem e, por isso,
resolvi escrever a você, medo.
Ao contrário da insegurança, que apenas paralisa, o
medo nos transforma. É justamente você que me fez mudar de planos algumas vezes
e que, na maioria dessas vezes, seriam ideias geniais. Nos relacionamentos,
como já disse, é você que faz as coisas serem superficialmente chatas,
insignificantes e sem sentido. Como hiperbólica que sou, não sei lidar com o
medo deixando as coisas muito rasas.
Mas não vim falar de relacionamentos (esse assunto é
para outra hora e difícil demais para falar) e sim do que é o medo frente ao
que vivemos. Já disse para alguns conhecidos seus como sou de uma geração de
frustrados. O que não abordei ainda é o fato de que é você um dos principais
responsáveis por essa frustração: ao vermos uma geração passada que pouco
tinha, mas que muito conseguiu, ficamos aflitos com o fato de que temos as
coisas de modo muito mais fácil. Dessa forma, muitas vezes não agimos por medo
de não conseguirmos atingir nada, mesmo com os meios facilitados. E, a partir daí,
entramos em mais um dos infinitos ciclos viciosos, porque temos medo de não
conquistamos nada e, ao mesmo tempo, temos medo de agir – esse, na verdade, é
um ciclo vicioso bem inerte.
Eu mesma me apoio confortavelmente em seus braços. São
raras as vezes em que eu coloco minha cara a tapa e te escondo, medo, em uma
caixinha e consigo seguir em frente: é mais fácil ter o apoio daquilo que é tão
familiar do que nos arriscarmos no desconhecido. Mas, para deixar bem claro,
não é de facilidade que vivemos e sim de conquistas, sendo que você, velho
conhecido, tem nos direcionado ao fácil e não à conquista, ao sabor da vitória
após tentativas.
Por isso, ao perceber sua presença constante na vida
de todos a minha volta (inclusive na minha – e de forma bem acentuada), resolvi
te escrever e esclarecer algo: nós vivemos apenas uma vez (não vamos entrar em
méritos das diversas crenças religiosas: vamos apenas deixar claro que,
enquanto vivos, nos lembramos apenas da realidade na qual estamos inseridos). Nada
levamos dessa vida e você, querido amigo, é responsável por impedir que as
coisas aconteçam e que memórias sejam formadas. Sim, as dores da frustração e
das falhas são difíceis de lidar: somos programados para a perfeição; no
entanto, permitir que a sua presença predomine no cotidiano é a permissão mais –
desculpe o termo – burra que nós, seres humanos, podemos fazer. Venho,
portanto, com um aviso prévio: estou sim me permitindo viver e sem você, medo.