domingo, 7 de maio de 2017

Carta à autossabotagem

Há muito tempo eu percebo a sua presença por aqui: o ato de autossabotar é realizado, por mim, há tantos anos que muitas vezes nem percebo que estou o fazendo (de novo). E, mesmo sabendo de quão danoso é, eu continuo deixando você entrar na minha vida e fazer aquele estrago monumental. Cansada dessa situação, decidi escrever-te, autossabotagem.

Desde muito nova, arrumo desculpas ou para não assumir falhas (que são comuns na vida de um ser humano) ou para simplesmente não tentar algo que pareça inalcançável. Lembro-me, quando criança, de conseguir inúmeros atestados médicos com meus cirurgiões para fugir da aula de educação física, já que eu, como era a mais alta e desengonçada da turma, tinha medo de parecer uma palhaça durante as atividades; mal sabia eu que, depois de mais velha, veria como fui boba em me autossabotar e me privar de algo. Agora, no entanto, as coisas estão um pouco mais diferentes.

A vida adulta é cheia de prazeres e desprazeres. Um dos maiores infortúnios que temos é que nada é mais como no colégio: se você sair mal em um prova, durante os anos de educação básica, você terá outras oportunidades para melhorar; na vida adulta, as coisas são um pouco diferentes, já que, na maioria das vezes, as oportunidades aparecem como um bilhete único e com data de validade imediata. Assim, começamos ou a rasgar o bilhete ou a perder a viagem pelo simples medo ou insegurança do que seria aquela viagem. E ai, nada querida autossabotagem, que eu achei uma forma racional de tentar te entender e explicar: como as coisas se tornam mais reais, concretas e definitivas, autossabotar é a forma mais simples de desistir antes mesmo de tentar e, por isso, não enfrentar a dura mão do julgamento (seja ele social ou não). Eu, que convivo com faixas etárias um pouco distintas, percebo que sua presença é comum em todas as etapas da vida, porém, com o passar do tempo, você é a justificativa – errada, pra deixar claro – de projetos falhos e tantas outras coisas que simplesmente não dão certo.

Outro ponto que sempre percebi sua presença, autossabotagem, foi na minha relação comigo mesma, também conhecida como autoestima. Depois de muitos anos de terapia (reforço que, apesar da pouca idade em termos numéricos, passei por experiências desagradáveis que me forçaram a abrir meu coração para outra pessoa – e sim, esse foi um dos maiores acertos de todos os tempos), percebo quantas vezes me coloquei para baixo e me autossabotei. Seria impossível contar nos dedos a quantidade de vezes que preferi desistir ao invés de “dar a cara a tapa”, a ultrapassar essa barreira totalmente social e ilógica. Sim, durante anos demais me achei a pior em tudo no meu grupo de amigos: a mais feia, a mais chata, a mais burra, a menos promissora; mas, o que ninguém me contava nessa época era que esse sentimento era bastante recorrente em todos, ou seja, todos se autossabotavam e não admitiam isso para os outros (cada um em seu grau, obviamente).

Até mesmo no assunto dos relacionamentos interpessoais é perceptível sua presença. Neles, a autossabotagem acontece indiscriminadamente, já que, por uma necessidade de aprovação alheia, preferimos nos prejudicar do que tentar, de alguma forma, equilibrar a situação. Nas relações afetivas, esse quadro pode se agravar até tornar-se irreversível: é muito difícil o convívio com o outro e para evitar determinados conflitos (seja ele com o outro ou consigo mesmo – vale lembrar que o medo da solidão leva a atitudes irracionais e absurdas) é mais fácil escolher o caminho traçado por você, velho conhecido.

Por isso, sem mais delongas, venho até você, autossabotagem, dizer algo muito importante: creio que sempre estará por aqui, pronta para me fazer desistir ou me colocar no chão, já que sua existência depende disso; mas cheguei à conclusão de que preciso dar um basta. Apesar de ser inerente ao ser humano se autossabotar, eu tenho estudado formas e tenho tentado, ao máximo, me desvencilhar dessa vida conduzida por a sensação incapacitante que você sempre me deu. Decidi, então, tomar uma atitude drástica: vou agarrar, com todas as minhas forças, todos os bilhetes de viagens extraordinárias que a vida me der. O erro, as falhas e os infortúnios são, antes de mais nada, essenciais para o crescimento pessoal e não será você que me impedirá de conhecer tudo o que a vida tiver para me oferecer. Nós, seres humanos, somos os principais donos do nosso destino e eu, decidida como estou, não deixarei jogado o meu futuro para você mais.
Share:

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Carta ao (re)começo

(Nota "mental" da autora: Essa é uma tentativa de recomeço. Estou tentando escrever há uma semana e nada sai de mim: não sei se falta criatividade ou se me tornei rígida demais. Só sei que preciso continuar fazendo aquilo que me faz bem.)

Existe uma falsa ideia, extremamente enraizada na consciência coletiva, de que é proibido falhar ou, pior ainda, é proibido falhar e recomeçar. Vivi em um constante medo da falha e falhei por isso. Veio daí uma parte muito difícil: o recomeço. Querido amigo, não sei se você é tão triste e desesperador como é necessário, mas venho escrever-te para delinear a sua presença, um novo começo.

Hoje mesmo estou passando por um processo de recomeço muito imediatista: recomecei a escrever textos inacabados, que não saíram do segundo parágrafo (obviamente a ideia não foi tão bem sucedida). Em outra perspectiva, em longo prazo, tento recomeçar minha vida acadêmica, passando de quase jornalista frustrada para uma médica (espero que menos frustrada), mas esse continua sendo um processo de um novo começo bem doloroso (afinal das contas, continuo tentando entrar em faculdades públicas). E percebi, depois de muito observar a minha volta, que esse movimento é comum à todos, em todas as idades e etapas da vida.

Eu, em minhas longas análises, identifiquei dois tipos básicos da sua presença, novo começo. Existem os recomeços involuntários, como é o caso dos nosso dias recomeçam que todo dia: basta colocar a cabeça no travesseiro para ter aquela ideia de que estamos novos em folha. Mas, como tudo que é independente da nossa vontade, não nos resta nada além de aceitar e tentar deixar essas experiências o mais agradáveis possível. O “xis” da questão é quando a sua tão requisitada presença ocorre de forma voluntária. As vezes, funcionamos como um quebra cabeças: existe um encaixe perfeito que combina conosco; no entanto, frequentemente, tentamos nos encaixar em um lugar que não nos cabe e, por isso, precisamos recomeçar. É mais ou menos como se fossemos um texto ruim, que vamos apagando e refazendo até ficar satisfatório.

Um grande amigo, daqueles que mora há quase três mil quilômetros e que sabe tudo da minha vida, me disse há poucos dias que sempre é possível recomeçar, basta querermos. Eu, que estava em um surto por causa de escolhas que fiz, tive que respirar fundo para entender a sua presença, recomeço, como necessária e me apoiar nisso. São nas horas difíceis que percebemos que as escolhas são necessárias para aprimorar atitudes e que recomeçar, nesse processo todo, é fundamental.

Os relacionamentos também frequentemente necessitam de um botão de “restart” e isso acontece em todo tipo de relação, seja ela de amizade, amorosa ou, até mesmo, em família. Ao longo de experiências, no mínimo, desagradáveis, pude ter a certeza que a sua presença era necessária por mudanças de cada um. Às vezes, são essenciais aquelas desestruturações radicais para que uma revolução aconteça e mude a situação – sempre para melhor, já que se a mudança foi para pior, é necessário a habilidade de recomeçar o que foi deixado para traz.

Assim, querido novo começo, quero sempre o seu ombro amigo como apoio nos momentos difíceis. Grande parte do meu amadurecimento como pessoa passou pelo estágio de que recomeços não são sinais de que não somos competentes, mas são formas de nos mostrar o quão fortes somos para começar tudo de novo, do zero. E, mesmo existindo aquele medo paralisante, é muito gratificante entender que funcionamos como uma massinha de modelar: adequamos, rapidamente, a situação e logo, o que era uma massa sem cor e forma, nos tornamos em uma bela escultura – que pode, de novo, ser modelada e remodelada, até achar o formato desejado.



Share:
Tecnologia do Blogger.