domingo, 16 de julho de 2017

Carta às perdas

Em todo tempo que eu já vivi, aprendi que com certeza vamos perder algo, seja um brinco, um pé de meia ou até mesmo, nos casos mais graves, uma pessoa. Estava a pouco pensando em como as perdas também se relacionam as nossas perdas internas, quando nos tornamos “cegos em um tiroteio” dentro do nosso próprio labirinto interior. Isso tudo me faz lembrar o meu filme preferido, Interestelar, que possui uma das frases mais marcantes para mim (claramente não vou reproduzir, porque tenho memória de galinha): para conseguirmos algo, alguma coisa tem que ser dada em troca; e é ai que entra esse fato que acontece com todos, que são as perdas. E por isso que eu escrevo hoje a vocês, todas as minhas perdas.

Durante a vida, foi um movimento muito comum acordar me sentindo derrotada: vocês, perdas, foram responsáveis por tornar meus dias muito amargos, até que eu conseguisse entender e aceitar (um pouco só) que a sua presença é inevitável. A adolescência foi muito difícil, porque eu me entregava às derrotas antes mesmo de tentar e, por isso, perdi demais. Foram alguns bons anos apanhando na cara, daqueles tapas que deixam as marcas dos cinco dedos, para entender que não se pode ter tudo nessa vida. E isso não é a derrota antecipada; na verdade, tem sido um incentivo pra tentar cada vez mais.

Só que, o que ninguém me contou, é que eu poderia me perder dentro de mim. Aí, minhas queridas perdas, foi quando eu me deparei em frente ao espelho sem conhecer quem era aquela pessoa. Lembro-me bem de um treinamento que fiz que me perguntaram “quem é você?” e eu não sabia responder: havia encontrado-lhes e feito em mim uma casa (bem sólida, por acaso) para vocês. E aí seguiu-se um longo processo. Mas não é disso que eu vim falar hoje.

Hoje, sentada nessa cadeira, num final de domingo, eu penso no que ainda vou perder. Loucura, talvez. Outros diriam que estou antecipando sofrimento (e, de certo modo, estou mesmo). Mas a experiência de perder tanto, tantas vezes, de modo tão dolorido, me fizeram ver que, de uma forma ou de outra, estamos perdendo. O ato de realizar escolhas é basicamente escolher o que perder. Sim, queridas perdas, estou lidando com a minha responsabilidade como um ser livre (citando meu ídolo Sartre) de uma forma bem negativa hoje. Quando escolho algo, estou deixando outra parte de lado, perdendo o desconhecido.

No fundo, vou continuar perdendo brincos (até mesmo porque não os uso), meias e pessoas, independente da minha vontade. No caso dos materiais, sabe-se lá o que acontece; mas as pessoas se vão por desencontros das estradas da vida de cada um. E muito me dói escrever a vocês hoje, porque descobri que às vezes para não perder os outros, é necessário se perder; e como possuo o poder da escolha, escolhi não me perder mais tão facilmente.

Por isso, queridas perdas, venho por aqui dizer-lhes que estou ciente da sua existência e não sei se um dia vou aprender a lidar com tudo isso plenamente. Em uma época de tantas mudanças, como a que eu passo agora, é natural que venha a tona tudo o que nós, seres humanos, podemos perder. E é difícil deitar a cabeça no travesseiro e pesar as coisas, até mesmo porque não sabemos do futuro para tomar nossas decisões. E, apesar de meu olhar hoje estar pessimista, me reconforta saber que de qualquer forma a presença de vocês, odiosas perdas, está constantemente comigo (e com qualquer outro que seja ousado para tentar viver plenamente).

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