quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Carta às amarras

Durante muito tempo, talvez a minha vida toda, eu estive amarrada: amarrada a padrões que eu não podia (ou queria) alcançar, a crenças que não me serviam, a modelos que não eram os melhores pra mim. Isso tudo até ontem. Sim, ontem. E, apesar de saber muito bem que poderia estar escrevendo para a liberdade (coisa que ainda posso fazer no futuro), hoje escrevo uma carta de despedida para vocês, amarras.

Aos que não me conhecem pessoalmente podem até estranhar, mas os mais próximos entenderam de primeira: eu vivi amarrada a um padrão que não conseguiria, nem mesmo com os esforços do falecido Pitanguy, chegar. Foram vocês, amarras, que me mantiveram por 25 anos presa a uma cicatriz (que sim, ocupa metade do meu rosto e não passa despercebida). Mas, pasmem ou não, só ontem que eu percebi que os meus esforços para me igualar ao padrão “revista Caras” eram em vão; o que é certo e eu não fazia é simplesmente assumir quem eu sou para mim e não me importar com o outro. E por isso decidi me desapegar de tudo aquilo que me prende.

Claro que isso foi só o estopim de um péssimo relacionamento com o espelho (e, às vezes, com o olhar alheio). Na realidade, o que sempre me irritou foi deixar que vocês, amarras, conseguissem mandar em mim como uma marionete. Não foram poucas vezes que me deixei abater por um olhar alheio ou um comentário desagradável e estar amarrada me empurrava ainda mais para o fundo do poço. É muito importante e necessário entender que existe sim uma consciência social, um padrão, mas que ele só deve ser aceito por quem quer e gosta disso; o que importa nessa vida é apenas ser feliz.

Amarras, não se enganem pensando que vocês me prenderam apenas nisso: tirando todas as consequências como a autoestima baixa e o medo de relacionamentos, você ainda mudou a forma de eu lidar comigo mesma; e não foi em um bom sentido. Pensando na vida (coisa que eu faço com frequência pela madrugada), percebo que fui deixando de lado aquela menina encantadora, de opinião forte e gostos peculiares porque existia algo (imaginário, obviamente) que me impedia de ousar, de ter orgulho das minhas ações e de quem eu sou. Confesso que perdi muito tempo tentando achar a causa disso tudo e esqueci que a causa pouco importa nesse caso: o importante era corrigir, antes que fosse tarde demais.

Me lembro ainda de todas as vezes que me deixei ser esse fantoche, quase inanimado, pelo simples medo de quebrar a cara. Mas, perai, quem nunca quebrou a cara? Hoje eu percebo tão claramente como fui tola em me apoiar em vocês, amarras. Claro que é muito mais confortável me apoiar em decisões que eu não preciso tomar ou não preciso encarar consequências, mas não existe nada melhor do que se reconhecer. Não vou mentir que as últimas 24 horas tem sido um pouco difíceis, já que encarar eu mesma, nua e crua, evidencia muita coisa que me desagrada; ainda estou presa a algumas coisas que, com um pouco de esforço, me libertarei.

Por isso, queridas amigas, venho aqui me despedir. Me redescobri como uma pessoa que pode ter movimentos próprios e pode se orgulhar do que pensa e que, acima de tudo isso, posso abraçar a minha cicatriz como algo que sou. Não ter pena de mim mesma ou ficar pensando no que seria diferente caso nunca tivesse tido meu hemangioma é o mesmo que respirar o ar de uma praia à noite: revigorante. Agora, vou gastar minha energia me amando e amando aqueles que me aceitam como eu sou (mesmo estando tão fora desse padrãozinho). Assim, obrigada, amarras, e até nunca mais.
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