domingo, 9 de dezembro de 2018

Carta à decepção


Quem nunca se decepcionou que atire a primeira pedra. Sei que essa não é a versão bíblica original, mas, definitivamente, é algo que me acompanhou muito nessa última semana. E sei que, assim como eu, muita gente esbarra em você, sem querer, por ai. E por isso, sentada no sofá passando muito calor, eu te escrevo, querida decepção, para ver se, pelo o menos, você possa amenizar toda a angústia que eu estou sentido.

Sabe quando você aposta todas as fichas em algo? Então, eu quase sempre sou assim. Loucamente intensa (culpa, talvez, do meu ascendente em escorpião), costumo me doar e corpo e alma para pessoas e para causas. Mas, querida amiga, esqueço que na vida, a grande maioria das vezes, reciprocidade é algo praticamente inexistente. E é ai que você entra.

Perdi as contas só esse ano de como me decepcionei com pessoas e situações. Como abracei pessoas, as chamei de amiga, levei para minha vida (e casa, algumas vezes), para no fim descobrir que era um sentimento completamente unilateral. E foi ai que você entrou em cena, decepção.

O que acontece, creio eu (em toda a minha ingenuidade), é que quando estamos em uma situação, criamos expectativas. Criamos momentos únicos que apenas existiram em nossa mente. E como não se sentir completamente decepcionado quando as coisas vão ao contrário do que espera? Como simplesmente podemos ligar o foda-se (desculpe-me a expressão) quando todo aquele edifício que construímos de repente desmorona? Como não sentir o coração espatifado em migalhas tão minúsculas? E como podemos voltar a acreditar que nem tudo será apenas decepção?

Primeiramente, não sei responder essas perguntas, amarga amiga. Até mesmo porque se soubesse não estaria aqui, agora, gastando palavras para perguntar-te. Mas uma coisa eu aprendi: a única espera válida é a da fila do supermercado (e a do terapeuta). Esperar das pessoas algo que eu criei é o maior fruto da sua presença. Quantas vezes não criei amizades, lealdades, relacionamentos e até famílias dentro de mim que, lá no fundo, não passavam de grandes erros e vazios? Essa mania estúpida e ingênua de me doar por inteiro para quase desconhecidos, por falar o que penso desmedidamente, é o que mais gera esse desconforto pela sua presença.

Segundo que, mesmo com 26 anos, eu ainda não aprendi a lidar com esse sentimento. Naturalmente justiceira (alô sol em libra), eu me sinto responsável por situações assim, mesmo quando elas não foram geradas por mim. Me responda: qual a minha responsabilidade, além de criar expectativa, em situações em que o outro simplesmente não era quem disse ser? Nenhuma, mas, mesmo assim, sinto uma culpa correndo, como se eu não fosse capaz de arrumar a situação e deixa-la exatamente como imaginei.

Terceiro e último que, apesar de sentir esse sentimento inexplicável me correndo por dentro, a sua presença, querida decepção, é algo obrigatório para qualquer ser humano. Quem nunca criou uma expectativa sequer em relação a nada e não foi frustrado, nem gente é. É inevitável criarmos planos perfeitos na nossa cabeça, pessoas incríveis e situações únicas, mas, infelizmente, não somos nós que mandamos no nosso destino e, por isso, você é tão presente na vida das pessoas em geral, querida decepção.

E, dessa vez, não venho com nenhum apelo até aqui. O apelo é muito mais uma coisa interna do que pedir para que você apareça menos ou, até mesmo, deixe de existir. Criar um cenário diferente daquele que existe para alimentar o “ego” é algo natural, até mesmo humano. Mas sei que sofrer da forma que eu sofro, apenas pela sua presença, vai me deixar louca, careca e deprimida. Infelizmente, é impossível prever o futuro e viver sem se arriscar é apenas sobreviver.

E também não sou sendo egoísta demais. Sei que trouxe a sua presença para a vida de pessoas. E lamento muito por isso, por ser falha e não conseguir suprir as expectativas alheias, mas, as vezes, é preciso focar em si e no seus próprios desejos. É difícil sentir que a outra pessoa está decepcionada com você mesmo, mas, assim como supero a sua presença (a duras penas), posso superar também ser o motivo de trazer você para a vida dos outros.

E nesse momento, para finalizar, digo apenas: até logo, odiosa amiga.

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sábado, 1 de dezembro de 2018

Do que eu me orgulho


Não é uma carta, mas é mais íntimo do que isso. Algo que foi para um aula de ética virou um mantra para os dias difíceis (como está ultimamente).


Desnudar a alma é difícil principalmente quando é para nós mesmos, por sermos ensinados uma falsa humildade, e o orgulho é uma das consequências disso.

Por isso, hoje, a coisa pela qual eu mais me orgulho é por ser livre. E não apenas livre como garantem as leis, mas ser livre de mim, das amarras sociais, dos padrões esdrúxulos, das relações tóxicas e do julgamento do outro em relação a mim e ao meu corpo. Falando nisso, tenho muito orgulho da minha cicatriz: não foi feita por mim, mas foi construída, com muito suor e em uma relação de amor e ódio, por mim durante a vida toda; o que era um motivo de repulsa para mim hoje é, acima do tudo, o que me faz ser quem sou.

Me orgulho da minha coragem, que nunca me permitiu cair, mesmo que a vida tivesse me empurrando com toda força.

Me orgulho de cada trauma que superei, cada tropeço que levei e que me fizeram muito melhor e mais forte.

Me orgulho da minha força e da minha determinação.

Me orgulho de ser a filha que sou, que, mesmo sendo a ovelha negra da família, tenho os melhores pais e irmã do mundo e transbordamos amor.

Me orgulho da amiga que sou e dos amigos verdadeiros que fiz.

Me orgulho de hoje conseguir escrever e mostrar ao mundo – hiperbolicamente – pelo meu blog, que é um projeto de amor e carinho em números binários.

Me orgulho por ter chegado aqui, na medicina, mesmo pensando que não era pra mim.

Me orgulho por conseguir chorar mesmo quando estou feliz e por me permitir ter sentimentos pelos outros – mesmo que essas pessoas sejam completos estranhos.

Me orgulho por ser declaradamente feminista e por não me importar mais com os olhares desinformados daqueles que não concordam.

Me orgulho pela minha culinária: é um motivo bobo, mas, pra mim, não existe forma maior de amor do que aquele contido na comida.
Me orgulho de cada batalha que venci, principalmente as internas; as vezes, o campo de guerra é a cabeça de um ansioso e só ele entende o que é travar batalhas constantes e intermináveis.

Me orgulho por ter aprendido a me perdoar e a ter o pleno entendimento de que, mesmo querendo abraçar o mundo, o mundo não irá me abraçar.

Por fim, me orgulho de ser quem eu sou: entre tantos tombos, erros e acertos, nada me faria me orgulhar mais do que eu ser o que sou.

E, no futuro, espero me orgulhar de mim mesma profissionalmente, seguindo a linha de pensamento que tenho hoje sobre o cuidar do outro e não da doença. Também, quero me orgulhar por me permitir amar de novo uma pessoa e deixar ela entrar para partilhar tudo o que a vida tenha para nos oferecer. Quero continuar me orgulhando do que eu sou simplesmente por ser.

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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Carta aos que estão matando

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." Antoine de Saint-ExupéryE pelo que matas também.

Nós estamos morrendo. A todo momento, desde o nosso nascimento, cada respiração é uma menos na nossa vida. Nós estamos de fato morrendo. Mas por que parece que estamos morrendo mais, mesmo sentindo que o corpo continua intacto? Porque o mundo está nos matando. As pessoas estão matando mesmo sem saber que estão e, em tempos tão sombrios, isso é, no mínimo, desesperador.

Apesar de parecer ter um viés tão político, escrevo a vocês que estão me matando. São pessoas na rua que julgam meu corpo ou meu comportamento; são professores que esquecem que somos humanos e temos sentimentos e, mesmo assim, resolvem jogar frustrações nos alunos; são colegas que não medem palavras ou ações; são amigos (ou ex-amigos) que se tornaram nada mais do que conhecidos. As pessoas estão matando e matando vontades, desejos, sorrisos.

Sinto que aquele sentimento de empatia, de cooperação, ficou lá no tempo das cavernas (se é que isso existiu algum dia). O que conta, o tempo todo, é o que você deseja e ponto final. Vivo em um meio que se esperava ter a plenitude de ajuda mútua, já que todos estão ali pela saúde, mas nada é mais egoísta e individualista do que isso. E digo isso desde os professores mesmo. Mal sabem eles que eles matam mais sonhos do que criam, que mais desestimulam do que empolgam. Criam sentimento de frustração misturado com “o que eu tô fazendo da minha vida?”, que guia a vida dos que estão morrendo (e estão deixando os outros matarem).

Às vezes, queridos amigos, o dia fica pesado. Fica difícil levantar da cama, sorrir de verdade e seguir o dia. Mesmo nos dias mais ensolarados, essas pequenas mortes pode fazer com que uma nuvem fique em cima da cabeça. Mesmo que eu esteja onde sempre quis, vivendo a vida que realmente desejei, parece que morrer todo dia um pouquinho me faz sentir menos merecedora do que tenho. E, com todo respeito, isso é uma merda.

Claro que não vou responsabilizar os outros por toda essa frustração. Tenho minha parte de culpa sim. Eu sou permissiva, deixo que isso me mate, que me desestimule, que me dê vontade de desistir de tudo. E, mesmo assumindo isso, na maioria das vezes eu não sei o que fazer – a não ser me abater. E, talvez, ainda não sei me valorizar o suficiente ou não me esforço o suficiente pra superar expectativas alheias, mas não sei viver em função do que o outro espera de mim.

Apesar disso tudo, sigo esperançosa (mesmo em tempos tão difíceis para os sonhadores) de que, em pouco tempo, vou conseguir me desvincular dar pequenas mortes diárias e vou deixar apenas o oxigênio me matar naturalmente. O tempo aqui, nesse planeta, é tão pequeno e aparentemente desprezível que não existe razão para sofrer. E vocês, que matam os outros todos os dias, entendam: mesmo sem saber, cada um tem responsabilidade (mesmo que minúscula) emocional com os outros, ou seja, TUDO o que você faz pode afetar a outra pessoa e pode destruir a vida de alguém. E aos que estão matando e sabem que estão: fod*m-se e vão cuidar da própria vida.

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terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Carta à solidão

"Hello darkness, my old friend"

Estava andando na rua hoje, que estava praticamente deserta, e me vi em sua companhia. É estranho estar acompanhada de você: ao mesmo tempo em que estou com alguém, estou sozinha.  E, nesse longo mês de tantas mudanças, nunca achei que minha pele gritaria numa urgência de não me sentir sozinha em meio a uma multidão. Mas, como agradecimento dessa certeira companhia, eu te escrevo hoje, solidão.

Antes de me mudar para Maceió (onde moro atualmente), eu já tinha me tornado uma pessoa apaixonada pela minha própria companhia. Nunca foi um absurdo ir só ao cinema ou a algum restaurante (ou, até mesmo, beber uma cervejinha num boteco). Sempre apreciei a independência de ser quem eu era da melhor forma possível: sozinha. Só que eu me mudei. E essa mudança transcende muito a distância física: aparei muitas arestas e me vi apenas em sua companhia, querida solidão.

E a história é muito engraçada, porque a distância me aproximou muito de pessoas longe e me afastou de pessoas que estão perto. E são essas pessoas longe que tem me feito, as vezes, me sentir em outra companhia além da sua. Claro que eu não estou de fato sozinha: tenho anjos de guarda espalhados por todo esse país e nossos corações batem juntos. Mas, as vezes, até mesmo o telefone se torna solitário e distante.

Mas por que eu resolvi te escrever logo hoje, numa terça feira de carnaval, que eu deveria estar estudando? Uma mulher em um restaurante. Na verdade, era um casal. No inicio, me deprimi, olhando a solidão sentada entre eles e cada um vivendo em seu universo particular; mas, enquanto eu comia, eu pude observar bem a mulher, branca e perto dos seus 50 anos: ela apreciava a comida de uma forma instigante e parecia ter debates profundos com sua alma enquanto aproveitava cada garfada. Foi ai, solidão, que eu vi como eu te confundi a vida toda.

Durante muito tempo, estimada amiga, creditei a você o fato de eu estar bem comigo mesma, sendo quem eu sou, deitada em uma cama sozinha em um sábado a noite. Mas isso nunca foi você. Você é aquele sentimento amargo, que ando sentido com mais frequência do que gostaria, que me angustia quando estou em uma multidão e não me identifico com o lugar. Agora mais do que nunca, percebo que sua companhia nunca foi agradável: você simplesmente preenche um vazio existencial, na tentativa de dizer “ei, você não está só”, sendo que no fundo você se sente exatamente como um homem em Marte: contemplando o vazio.


Talvez tenha me delongado demais ou o último mês tenha me feito ir além daquilo que pensei que conseguiria (quem sabe um dia não escrevo as memórias do primeiro mês de absoluta loucura e solidão?), mas precisava te escrever para dizer que entendo sua presença e agradeço essa tentativa subversiva – inclusive do meu psicológico – de me fazer querida e amada, mas quero te dizer que: não preciso estar só para aproveitar a minha companhia. Posso ser quem verdadeiramente sou em qualquer canto; afinal, mendigar atenção dos outros vestindo uma máscara é a forma mais covarde de se viver. Por isso, agradeço-te e peço-te: dê-me uma trégua; estou sentindo, pela primeira vez na vida, a necessidade de não ser uma alma perdida na multidão. A minha companhia é maravilhosa, mas eu, que amo gente como poucos, preciso hoje sentir esse amor de volta.
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