terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Carta à solidão

"Hello darkness, my old friend"

Estava andando na rua hoje, que estava praticamente deserta, e me vi em sua companhia. É estranho estar acompanhada de você: ao mesmo tempo em que estou com alguém, estou sozinha.  E, nesse longo mês de tantas mudanças, nunca achei que minha pele gritaria numa urgência de não me sentir sozinha em meio a uma multidão. Mas, como agradecimento dessa certeira companhia, eu te escrevo hoje, solidão.

Antes de me mudar para Maceió (onde moro atualmente), eu já tinha me tornado uma pessoa apaixonada pela minha própria companhia. Nunca foi um absurdo ir só ao cinema ou a algum restaurante (ou, até mesmo, beber uma cervejinha num boteco). Sempre apreciei a independência de ser quem eu era da melhor forma possível: sozinha. Só que eu me mudei. E essa mudança transcende muito a distância física: aparei muitas arestas e me vi apenas em sua companhia, querida solidão.

E a história é muito engraçada, porque a distância me aproximou muito de pessoas longe e me afastou de pessoas que estão perto. E são essas pessoas longe que tem me feito, as vezes, me sentir em outra companhia além da sua. Claro que eu não estou de fato sozinha: tenho anjos de guarda espalhados por todo esse país e nossos corações batem juntos. Mas, as vezes, até mesmo o telefone se torna solitário e distante.

Mas por que eu resolvi te escrever logo hoje, numa terça feira de carnaval, que eu deveria estar estudando? Uma mulher em um restaurante. Na verdade, era um casal. No inicio, me deprimi, olhando a solidão sentada entre eles e cada um vivendo em seu universo particular; mas, enquanto eu comia, eu pude observar bem a mulher, branca e perto dos seus 50 anos: ela apreciava a comida de uma forma instigante e parecia ter debates profundos com sua alma enquanto aproveitava cada garfada. Foi ai, solidão, que eu vi como eu te confundi a vida toda.

Durante muito tempo, estimada amiga, creditei a você o fato de eu estar bem comigo mesma, sendo quem eu sou, deitada em uma cama sozinha em um sábado a noite. Mas isso nunca foi você. Você é aquele sentimento amargo, que ando sentido com mais frequência do que gostaria, que me angustia quando estou em uma multidão e não me identifico com o lugar. Agora mais do que nunca, percebo que sua companhia nunca foi agradável: você simplesmente preenche um vazio existencial, na tentativa de dizer “ei, você não está só”, sendo que no fundo você se sente exatamente como um homem em Marte: contemplando o vazio.


Talvez tenha me delongado demais ou o último mês tenha me feito ir além daquilo que pensei que conseguiria (quem sabe um dia não escrevo as memórias do primeiro mês de absoluta loucura e solidão?), mas precisava te escrever para dizer que entendo sua presença e agradeço essa tentativa subversiva – inclusive do meu psicológico – de me fazer querida e amada, mas quero te dizer que: não preciso estar só para aproveitar a minha companhia. Posso ser quem verdadeiramente sou em qualquer canto; afinal, mendigar atenção dos outros vestindo uma máscara é a forma mais covarde de se viver. Por isso, agradeço-te e peço-te: dê-me uma trégua; estou sentindo, pela primeira vez na vida, a necessidade de não ser uma alma perdida na multidão. A minha companhia é maravilhosa, mas eu, que amo gente como poucos, preciso hoje sentir esse amor de volta.
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