quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Carta aos que estão matando

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." Antoine de Saint-ExupéryE pelo que matas também.

Nós estamos morrendo. A todo momento, desde o nosso nascimento, cada respiração é uma menos na nossa vida. Nós estamos de fato morrendo. Mas por que parece que estamos morrendo mais, mesmo sentindo que o corpo continua intacto? Porque o mundo está nos matando. As pessoas estão matando mesmo sem saber que estão e, em tempos tão sombrios, isso é, no mínimo, desesperador.

Apesar de parecer ter um viés tão político, escrevo a vocês que estão me matando. São pessoas na rua que julgam meu corpo ou meu comportamento; são professores que esquecem que somos humanos e temos sentimentos e, mesmo assim, resolvem jogar frustrações nos alunos; são colegas que não medem palavras ou ações; são amigos (ou ex-amigos) que se tornaram nada mais do que conhecidos. As pessoas estão matando e matando vontades, desejos, sorrisos.

Sinto que aquele sentimento de empatia, de cooperação, ficou lá no tempo das cavernas (se é que isso existiu algum dia). O que conta, o tempo todo, é o que você deseja e ponto final. Vivo em um meio que se esperava ter a plenitude de ajuda mútua, já que todos estão ali pela saúde, mas nada é mais egoísta e individualista do que isso. E digo isso desde os professores mesmo. Mal sabem eles que eles matam mais sonhos do que criam, que mais desestimulam do que empolgam. Criam sentimento de frustração misturado com “o que eu tô fazendo da minha vida?”, que guia a vida dos que estão morrendo (e estão deixando os outros matarem).

Às vezes, queridos amigos, o dia fica pesado. Fica difícil levantar da cama, sorrir de verdade e seguir o dia. Mesmo nos dias mais ensolarados, essas pequenas mortes pode fazer com que uma nuvem fique em cima da cabeça. Mesmo que eu esteja onde sempre quis, vivendo a vida que realmente desejei, parece que morrer todo dia um pouquinho me faz sentir menos merecedora do que tenho. E, com todo respeito, isso é uma merda.

Claro que não vou responsabilizar os outros por toda essa frustração. Tenho minha parte de culpa sim. Eu sou permissiva, deixo que isso me mate, que me desestimule, que me dê vontade de desistir de tudo. E, mesmo assumindo isso, na maioria das vezes eu não sei o que fazer – a não ser me abater. E, talvez, ainda não sei me valorizar o suficiente ou não me esforço o suficiente pra superar expectativas alheias, mas não sei viver em função do que o outro espera de mim.

Apesar disso tudo, sigo esperançosa (mesmo em tempos tão difíceis para os sonhadores) de que, em pouco tempo, vou conseguir me desvincular dar pequenas mortes diárias e vou deixar apenas o oxigênio me matar naturalmente. O tempo aqui, nesse planeta, é tão pequeno e aparentemente desprezível que não existe razão para sofrer. E vocês, que matam os outros todos os dias, entendam: mesmo sem saber, cada um tem responsabilidade (mesmo que minúscula) emocional com os outros, ou seja, TUDO o que você faz pode afetar a outra pessoa e pode destruir a vida de alguém. E aos que estão matando e sabem que estão: fod*m-se e vão cuidar da própria vida.

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