domingo, 13 de agosto de 2017

Carta à inveja

Acho muito engraçado – até mesmo medonho – como não podemos falar de coisas negativas, sejam elas sentimentos ou não. Parece que ao afirmar algum tipo de característica negativa, estamos nos rebaixando a ela. Só que, o que ninguém pensa, estamos permeados de “defeitos”, de características pouco desejáveis, mas que estão ali presentes. E é, depois de refletir muito sobre isso, que eu resolvi ter escrever, inveja.

Ao meu redor, o tempo todo, há a sua presença. Não posso negar que ela existe em todos, em graus diferentes, mas cada um aprende a lidar com ela de uma forma. Eu mesma percebo sua presença constantemente, sentimento amargurado, já que sua existência se dá pela inexistência, na minha vida, de algo: ocorre mais ou menos por alguém ter algo que eu também quero ter, mas ainda não possuo ainda (evidenciando que não são apenas coisas materiais). E durante toda minha vida ouvi a frase: “tô com inveja de você, mas é inveja boa”. Por isso, refleti o suficiente sobre isso para constatar que não existe sua presença de uma forma agradável; na verdade, essa falsa bondade ou tem a função de deixar claro que a pessoa não quer tirar o que é da outra e sim apenas tê-la também ou é, sobretudo, uma forma de amenizar a nocividade desse sentimento.

Já tive o convívio diário permeado de uma inveja brutal - mas acredito que é uma situação bem comum para todos, em ambientes distintos -: sempre existia uma competição sem fim e, com ela, aquela comparação básica entre os que ali estavam, que é o início da inveja. O cursinho para medicina foi um aprendizado imenso nesse quesito, porque precisei aprender a lidar com “olhos gordos” alheios (em diversos quesitos – deixando bem claro que não acredito ser melhor do que ninguém em uma sala de aula) e fui forçada a lidar com a inveja que tenho de outras pessoas.  Mesmo pessoas próximas, até mesmo amigas, sentem aquela inveja – que pode ser um pingo ou um monstro avassalador – das conquistas alheias e não conseguem esconder o quão estão frustrados por não ter o mesmo êxito naquele momento.

Como sou humana – e por isso falha -, tenho inveja de muitas pessoas. Mesmo sabendo que cada pessoa é objeto de cobiça do outro em qualquer aspecto que seja, alguma vez na vida cada uma delas será a protagonista da inveja e coisas e aí começa a parte mais difícil de conviver com sua presença, querida. Como já disse, existe uma falsa ideia de proibição da sua existência, ou seja, basicamente não posso admitir que eu tenho, frequentemente, sentimentos nocivos em relação ao outro, e isso é ainda mais cruel do que o fato de você ser real. E o que podemos fazer de pior para nós mesmos é escondermos algo, mascarar uma característica própria, para simplesmente fazer o outro se sentir bem. Mas o que esquecemos é que, no fim do dia, ao deitarmos a cabeça no travesseiro, estamos frente a frente com um único ser: nós mesmos. E é aí que o “bicho pega”.

Não sei se foram minhas muitas horas sentadas no sofá da terapia ou se foram as extensas conversas que tive com pessoas muito diferentes, mas sei que cheguei a um acordo comigo mesma quanto a sua presença, sentimento amargo: não adianta lutar contra mim, mas adianta correr atrás dos meus objetivos.  Talvez eu esteja sendo utópica demais, mas é muito fácil concluir que não tiramos nada de proveitoso apenas da inveja pura. É necessário, além de admitir a presença de sentimentos ruins, transformarmos essa “massa” de energia negra em luz, já que essa massa escura suga todas as nossas qualidades e nos transforma em puro ódio e, desculpe a rispidez, idiotice.

Por isso, chacoalhei tudo e joguei para o alto aquela inveja inútil, assumindo que sim sou humana e sou falha e que tenho uma urgência em parar de falhar com meus próprios sentimentos. Por isso, inveja, peço algo estranho: permaneça sempre aqui, para me mostrar até onde eu posso ir, mas pare de me menosprezar. O céu é o meu limite e, para chegar lá, não quero nuvens negras no caminho e sim um céu limpo como é após uma tempestade.


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segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Carta ao perdão

Um dia desses estava conversando com uma amiga (que conheço há pouco tempo, mas que não parece tão pouco tempo assim) e ela me disse que tem uma urgência em perdoar. Eu, como a racional que sou, dediquei parte dos meus dias pensando sobre o que é essa “arte” e tirei algumas conclusões – que talvez sejam muito precipitadas. Por isso, nessa noite de domingo, te escrevo, curador de mágoas.

Confesso que estou com as minhas mãos geladas, porque é muito difícil te escrever. Na verdade, durante um bom tempo foi difícil te entender. As mágoas que me feriram como um ferro quente pareciam não ter cura; mais tarde, percebi que não era uma simples cura, fechando a ferida, o que era necessário, e sim a sua presença na minha vida, perdão.  O próprio cristianismo vê perdão como algo divino e sagrado, mas as longas feridas impediram que fosse fácil.

Sem mais delongas sobre mim, quero te falar, querido remédio das almas, que eu entendi duas presenças tão distintas suas no meu dia a dia: em relação ao outro e em relação a mim mesma. Como sempre, ficou muito evidente que lidar com o outro é muito mais fácil do que lidar consigo mesmo. As feridas que os outros provocam e que não são nossa responsabilidade (gosto de deixar evidente que somos nós os mediadores da nossa vida: os outros nos machucam, na maioria das vezes, até quando permitimos) são mais fáceis de perdoar e de fechar, mesmo que talvez demorem anos e pareçam doer demais. O outro, apesar de tudo, não é uma extensão real do que somos.

Por isso, mesmo sendo difícil, consegui entender o quão fundamental era sua presença, perdão, na minha vida e consegui desapegar de mágoas que achei que fossem impossíveis. Sim, algumas feridas foram feitas e permitidas por mim sem que eu percebesse o quão fundo era o corte e isso foi sufocante de entender. Não existe uma formula mágica para esse processo, mas existe uma verdade universal: perdoar o outro está APENAS dentro de quem perdoa. E é nesse ponto que eu escrevo para o perdão mais difícil: o que temos que fazer com nós mesmos.

Como se fosse um pacto, somos obrigados a deixar a sua presença entrar em nossa vida, perdão.  Eu mesma demorei anos, décadas, pra entender que perdoar o outro significava primeiro se perdoar. Muitas vezes, nós, seres humanos, esquecemos o quão falho nós somos e que iremos errar, querendo ou não. Não que isso seja um propósito de vida de alguém (sem vitimização), mas isso talvez fuja do nosso controle. O convívio em sociedade é uma dos principais “vilões”: quando tomamos atitudes, as consequências ocorreram de uma forma ou de outra. No fim das contas, por mais cruel que possa parecer, há uma grande chance de alguém sair magoado dessa história, seja o próprio ator ou o outro, e ai precisamos urgentemente do curador de almas para nos fazer entender que tudo bem falhar e que as feridas serão fechadas.

Perdoar é uma tarefa árdua e, na maioria das vezes, tem o caminho mais difícil e dolorido do que a mágoa que precisa ser superada. Perdi as vezes que chorei no travesseiro sem entender que a solução para aquele problema estava em mim: eu precisava perdoar, desapegar daquele sentimento que me causava mágoa e ir ao encontro, de braços abertos, a minha felicidade fundamental. Não é fácil entender quando é necessário perdoar nem realizar o ato, de fato; mas é indispensável.


Por isso, perdão, te escrevo hoje. Foram tantos sentimentos que já receberam cartas por eu não entender o que são. Mas você, ao contrário de tantos, foi um dos poucos sortudos que eu pude compreender - dentro da pequeneza humana que tenho... É impossível entender por completo o que parece inatingível algumas vezes. - Não te escrevo, contudo, em vão: tenho uma necessidade, uma sede, por mais de você em mim. Muitas noites, ao deitar minha cabeça no travesseiro, fica evidente que ainda falta muito de você em mim. Aprender a me perdoar é um processo continuo, árduo e, provavelmente, mais humano que eu posso ter. Anseio pelo dia que conseguirei dormir e acordar sentindo a plenitude de você em mim. Acredito que, só assim, é atingida a tão ansiada felicidade.
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