segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Carta ao perdão

Um dia desses estava conversando com uma amiga (que conheço há pouco tempo, mas que não parece tão pouco tempo assim) e ela me disse que tem uma urgência em perdoar. Eu, como a racional que sou, dediquei parte dos meus dias pensando sobre o que é essa “arte” e tirei algumas conclusões – que talvez sejam muito precipitadas. Por isso, nessa noite de domingo, te escrevo, curador de mágoas.

Confesso que estou com as minhas mãos geladas, porque é muito difícil te escrever. Na verdade, durante um bom tempo foi difícil te entender. As mágoas que me feriram como um ferro quente pareciam não ter cura; mais tarde, percebi que não era uma simples cura, fechando a ferida, o que era necessário, e sim a sua presença na minha vida, perdão.  O próprio cristianismo vê perdão como algo divino e sagrado, mas as longas feridas impediram que fosse fácil.

Sem mais delongas sobre mim, quero te falar, querido remédio das almas, que eu entendi duas presenças tão distintas suas no meu dia a dia: em relação ao outro e em relação a mim mesma. Como sempre, ficou muito evidente que lidar com o outro é muito mais fácil do que lidar consigo mesmo. As feridas que os outros provocam e que não são nossa responsabilidade (gosto de deixar evidente que somos nós os mediadores da nossa vida: os outros nos machucam, na maioria das vezes, até quando permitimos) são mais fáceis de perdoar e de fechar, mesmo que talvez demorem anos e pareçam doer demais. O outro, apesar de tudo, não é uma extensão real do que somos.

Por isso, mesmo sendo difícil, consegui entender o quão fundamental era sua presença, perdão, na minha vida e consegui desapegar de mágoas que achei que fossem impossíveis. Sim, algumas feridas foram feitas e permitidas por mim sem que eu percebesse o quão fundo era o corte e isso foi sufocante de entender. Não existe uma formula mágica para esse processo, mas existe uma verdade universal: perdoar o outro está APENAS dentro de quem perdoa. E é nesse ponto que eu escrevo para o perdão mais difícil: o que temos que fazer com nós mesmos.

Como se fosse um pacto, somos obrigados a deixar a sua presença entrar em nossa vida, perdão.  Eu mesma demorei anos, décadas, pra entender que perdoar o outro significava primeiro se perdoar. Muitas vezes, nós, seres humanos, esquecemos o quão falho nós somos e que iremos errar, querendo ou não. Não que isso seja um propósito de vida de alguém (sem vitimização), mas isso talvez fuja do nosso controle. O convívio em sociedade é uma dos principais “vilões”: quando tomamos atitudes, as consequências ocorreram de uma forma ou de outra. No fim das contas, por mais cruel que possa parecer, há uma grande chance de alguém sair magoado dessa história, seja o próprio ator ou o outro, e ai precisamos urgentemente do curador de almas para nos fazer entender que tudo bem falhar e que as feridas serão fechadas.

Perdoar é uma tarefa árdua e, na maioria das vezes, tem o caminho mais difícil e dolorido do que a mágoa que precisa ser superada. Perdi as vezes que chorei no travesseiro sem entender que a solução para aquele problema estava em mim: eu precisava perdoar, desapegar daquele sentimento que me causava mágoa e ir ao encontro, de braços abertos, a minha felicidade fundamental. Não é fácil entender quando é necessário perdoar nem realizar o ato, de fato; mas é indispensável.


Por isso, perdão, te escrevo hoje. Foram tantos sentimentos que já receberam cartas por eu não entender o que são. Mas você, ao contrário de tantos, foi um dos poucos sortudos que eu pude compreender - dentro da pequeneza humana que tenho... É impossível entender por completo o que parece inatingível algumas vezes. - Não te escrevo, contudo, em vão: tenho uma necessidade, uma sede, por mais de você em mim. Muitas noites, ao deitar minha cabeça no travesseiro, fica evidente que ainda falta muito de você em mim. Aprender a me perdoar é um processo continuo, árduo e, provavelmente, mais humano que eu posso ter. Anseio pelo dia que conseguirei dormir e acordar sentindo a plenitude de você em mim. Acredito que, só assim, é atingida a tão ansiada felicidade.
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