Um dia desses estava conversando com uma amiga (que conheço
há pouco tempo, mas que não parece tão pouco tempo assim) e ela me disse que
tem uma urgência em perdoar. Eu, como a racional que sou, dediquei parte dos
meus dias pensando sobre o que é essa “arte” e tirei algumas conclusões – que talvez
sejam muito precipitadas. Por isso, nessa noite de domingo, te escrevo, curador
de mágoas.
Confesso que estou com as minhas mãos geladas, porque
é muito difícil te escrever. Na verdade, durante um bom tempo foi difícil te
entender. As mágoas que me feriram como um ferro quente pareciam não ter cura;
mais tarde, percebi que não era uma simples cura, fechando a ferida, o que era necessário, e sim a sua presença
na minha vida, perdão. O próprio
cristianismo vê perdão como algo divino e sagrado, mas as longas feridas
impediram que fosse fácil.
Sem mais delongas sobre mim, quero te falar, querido remédio
das almas, que eu entendi duas presenças tão distintas suas no meu dia a dia:
em relação ao outro e em relação a mim mesma. Como sempre, ficou muito evidente
que lidar com o outro é muito mais fácil do que lidar consigo mesmo. As feridas
que os outros provocam e que não são nossa responsabilidade (gosto de deixar
evidente que somos nós os mediadores da nossa vida: os outros nos machucam, na
maioria das vezes, até quando permitimos) são mais fáceis de perdoar e de
fechar, mesmo que talvez demorem anos e pareçam doer demais. O outro, apesar de
tudo, não é uma extensão real do que somos.
Por isso, mesmo sendo difícil, consegui entender o
quão fundamental era sua presença, perdão, na minha vida e consegui desapegar
de mágoas que achei que fossem impossíveis. Sim, algumas feridas foram feitas e
permitidas por mim sem que eu percebesse o quão fundo era o corte e isso foi
sufocante de entender. Não existe uma formula mágica para esse processo, mas
existe uma verdade universal: perdoar o outro está APENAS dentro de quem
perdoa. E é nesse ponto que eu escrevo para o perdão mais difícil: o que temos
que fazer com nós mesmos.
Como se fosse um pacto, somos obrigados a deixar a sua
presença entrar em nossa vida, perdão. Eu
mesma demorei anos, décadas, pra entender que perdoar o outro significava
primeiro se perdoar. Muitas vezes, nós, seres humanos, esquecemos o quão falho
nós somos e que iremos errar, querendo ou não. Não que isso seja um propósito
de vida de alguém (sem vitimização), mas isso talvez fuja do nosso controle. O convívio
em sociedade é uma dos principais “vilões”: quando tomamos atitudes, as consequências
ocorreram de uma forma ou de outra. No fim das contas, por mais cruel que possa
parecer, há uma grande chance de alguém sair magoado dessa história, seja o próprio
ator ou o outro, e ai precisamos urgentemente do curador de almas para nos
fazer entender que tudo bem
falhar e que as feridas serão fechadas.
Perdoar
é uma tarefa árdua e, na maioria das vezes, tem o caminho mais difícil e
dolorido do que a mágoa que precisa ser superada. Perdi as vezes que chorei no
travesseiro sem entender que a solução para aquele problema estava em mim: eu
precisava perdoar, desapegar daquele sentimento que me causava mágoa e ir ao
encontro, de braços abertos, a minha felicidade fundamental. Não é fácil
entender quando é necessário perdoar nem realizar o ato, de fato; mas é indispensável.
Por
isso, perdão, te escrevo hoje. Foram tantos sentimentos que já receberam cartas
por eu não entender o que são. Mas você, ao contrário de tantos, foi um dos
poucos sortudos que eu pude compreender - dentro da pequeneza humana que
tenho... É impossível entender por completo o que parece inatingível algumas
vezes. - Não te escrevo, contudo, em vão: tenho uma necessidade, uma sede, por
mais de você em mim. Muitas noites, ao deitar minha cabeça no travesseiro, fica
evidente que ainda falta muito de você em mim. Aprender a me perdoar é um
processo continuo, árduo e, provavelmente, mais humano que eu posso ter. Anseio
pelo dia que conseguirei dormir e acordar sentindo a plenitude de você em mim. Acredito
que, só assim, é atingida a tão ansiada felicidade.
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