segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Carta ao agora do antes

Você pode ser esse segundo se comparado ao segundo anterior. A todo momento, coexiste com o agora e o anterior. Mas, ao mesmo tempo, você é o daqui anos. E você tem me feito sofrer muito, querido futuro. 


Estranho escrever essas palavras sabendo que enquanto as escrevia, imaginava o meu eu milésimos de segundos mais velha lendo e me sentindo mais sábia (ou talvez mais velha só, não sei). O que eu sei, com toda a certeza do universo (e todos as suas derivações), é que eu tenho um constante medo do seu mistério. Somos seres dotados de uma capacidade linda, que é sonhar, mas com isso vem uma capacidade horrível, que é criar expectativas; e só, somente só, você, querido futuro, sabe se aquele plano vai ter êxito ou vai ser apenas uma frustração. 


Se engana quem acredita que não pensa em você: quando nós somos crianças, sempre pensamos o que vamos ser quando crescer, mas criança tem a liberdade poética (e da alma capitalista) de sonhar em vão. Adultos não. Nós, adultos (talvez me classifique como adolescência tardia), não podemos apenas sonhar, criar planos: nós devemos ter os dois pés no chão, fincados, colados, cimentados, nos impedindo de apenas voar com nossos desejos, porque, ao contrário do que acontece na infância, quando caímos, o tombo cobra caro; e é esse motivo de temermos tanto você, futuro. 


Apesar de necessário e certo, você querido agora de antes, nos traz uma sensação de medo, insegurança e (para os mais otimistas) esperança que nos impede de ousar como crianças, nos impede de ter o desejo de ser astronauta para ser contador (desculpe se ofendo, mas não consigo imaginar nada mais técnico e monótono). E isso é o que faz nós adultos sermos tão frustrados. "Nossa Isabella, mas não é sonhar que nos frusta?" E eu te respondo: de forma alguma. Nos frusta mantermos nessa posição de conforto, em amizades vazias mas presentes, em trabalhos monótonos mas existentes, em relacionamentos vazios mas existentes; é isso que faz a gente parar de sonhar e de acreditar: o comodismo pelo medo de não realizar os próprios sonhos, amado futuro. 


Se os antigos dizem "a morte é a nossa única certeza no futuro", eu digo que a morte começa quando abrimos mãos de quem somos e nos afundamos em um vazio existencial criado único e exclusivamente pelo medo do que podemos encontrar no caminho. Também não vou ser hipócrita de dizer que gosto quando as coisas saem completamente do script (até porque atualmente vivo esse cenário), mas se tem uma coisa que sei é que não somos quadrados para temer mais sua presença do que temer uma não vida. 


Me despeço, querido antigo novo amigo, deixando um ensinamento para o meu futuro eu (ensinamento que bem provavelmente caia por terra, mas que precisa ser dito): não tema o futuro, não tema o fim do túnel; não podemos afirmar que o que nos espera é melhor ou pior do que o que temos aqui e agora. E o que aqui e agora é a única coisa que realmente vale a pena, até porque cada segundo pode ser o nosso último segundo e cada segundo desperdiçado é um pedacinho de um futuro perdido. E ainda complemento, querido amigo, que não sabemos mesmo do que você nos guarda, até mesmo porque criamos tantas certezas no agora que você faz questão de destruir em segundos (e esses nunca são desperdiçados).

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segunda-feira, 8 de março de 2021

Carta ao meu eu: mulher

  Ser mulher é um ato de coragem.

Desde que eu me lembro por gente, eu me sinto mulher. Digo isso no conceito de mulher que eu construí dentro de mim, por meio de todos os exemplos que tive: mulher, pra mim, é, antes de mais nada, força; é conseguir carregar um mundo nas costas e mesmo assim passar por rasteiras o tempo inteiro. Não se engane ao pensar que não gosto de ser o meu eu mulher: eu amo! Amo ser esse tsunami de emoções, de razões e de explosões.

E hoje, dia 8 de março, é um dia bem sensível para o meu eu mulher. Eu te escrevo, cerne feminino do meu ser, para te dizer que eu entendo o que é passar o dia afundada em contradições: ao mesmo tempo que eu me identifico completamente com esse “título” biológico e de gênero, eu me sinto sem forças e frustrada. Estamos no século XXI, mais exatamente no ano 21 desse século, e mesmo assim me sinto vivendo no tempo das cavernas. Nossas lutas ainda soam ilegítimas aos ouvidos daqueles que não querem ouvir e nossas vontades parecem nulas para os que não querem ver. Ser mulher em 2021 é buscar reconhecimento, é buscar igualdade e buscar, acima de tudo, seu lugar no mundo.

Sei que esse texto tá pesado para o dia que representa, mas hoje, pela primeira vez, agradeci os “parabéns” pelo dia com um: hoje é só mais um dia de luta. Estar viva num país em que mata mulheres por serem mulheres e que tem governantes que expressam sua misoginia diariamente é uma vitória – uma triste vitória. Hoje, agora, me sinto cansada; parece que essa “brincadeira” de levar o mundo nas costas cansa.

E quando paro para analisar de onde vem essa força, só vem a minha mente tanta mulher que passou pelo pior para que eu pudesse, no mínimo, ter um pouco mais de conforto. Mas isso não é suficiente. E hoje, dia internacional da mulher, fica tudo tão evidente. As redes sociais potencializam e evidenciam tanto esse dia como puramente comercial e parece tirar tanto a importância do que é ser mulher, da potência que uma mulher tem. E isso, mesmo que eu me esforce que não, me entristece. E todos os dias eu consigo, na medida do possível, passar por cima disso e ser uma mulherão da porra (internamente), mas hoje ficou tudo muito cansativo.

Era pra ser um texto para o meu eu mulher. Acredito que essa parte seja a que eu tenha mais orgulho em mim. E essa parte também chama tantas outras mulheres incríveis, tantas outras almas que completam a minha forma de ser. No fundo, o meu eu mulher é quase que uma rocha, mas que tem um interior líquido que hoje só se derrama.

Que 2021 seja um ano para que o meu eu mulher cresça, lute, ensine e que em 2022, nessa mesma data, o interior líquido da rocha que eu sou esteja cada vez maior, mais forte, mais potente e mais ainda mulher.

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