Há muito tempo eu percebo a sua presença por aqui: o
ato de autossabotar é realizado, por mim, há tantos anos que muitas vezes nem
percebo que estou o fazendo (de novo). E, mesmo sabendo de quão danoso é, eu
continuo deixando você entrar na minha vida e fazer aquele estrago monumental.
Cansada dessa situação, decidi escrever-te, autossabotagem.
Desde muito nova, arrumo desculpas ou para não assumir
falhas (que são comuns na vida de um ser humano) ou para simplesmente não
tentar algo que pareça inalcançável. Lembro-me, quando criança, de conseguir
inúmeros atestados médicos com meus cirurgiões para fugir da aula de educação
física, já que eu, como era a mais alta e desengonçada da turma, tinha medo de
parecer uma palhaça durante as atividades; mal sabia eu que, depois de mais
velha, veria como fui boba em me autossabotar e me privar de algo. Agora, no
entanto, as coisas estão um pouco mais diferentes.
A vida adulta é cheia de prazeres e desprazeres. Um
dos maiores infortúnios que temos é que nada é mais como no colégio: se você
sair mal em um prova, durante os anos de educação básica, você terá outras
oportunidades para melhorar; na vida adulta, as coisas são um pouco diferentes,
já que, na maioria das vezes, as oportunidades aparecem como um bilhete único e
com data de validade imediata. Assim, começamos ou a rasgar o bilhete ou a
perder a viagem pelo simples medo ou insegurança do que seria aquela viagem. E
ai, nada querida autossabotagem, que eu achei uma forma racional de tentar te
entender e explicar: como as coisas se tornam mais reais, concretas e
definitivas, autossabotar é a forma mais simples de desistir antes mesmo de
tentar e, por isso, não enfrentar a dura mão do julgamento (seja ele social ou
não). Eu, que convivo com faixas etárias um pouco distintas, percebo que sua
presença é comum em todas as etapas da vida, porém, com o passar do tempo, você
é a justificativa – errada, pra deixar claro – de projetos falhos e tantas
outras coisas que simplesmente não dão certo.
Outro ponto que sempre percebi sua presença,
autossabotagem, foi na minha relação comigo mesma, também conhecida como
autoestima. Depois de muitos anos de terapia (reforço que, apesar da pouca
idade em termos numéricos, passei por experiências desagradáveis que me
forçaram a abrir meu coração para outra pessoa – e sim, esse foi um dos maiores
acertos de todos os tempos), percebo quantas vezes me coloquei para baixo e me
autossabotei. Seria impossível contar nos dedos a quantidade de vezes que
preferi desistir ao invés de “dar a cara a tapa”, a ultrapassar essa barreira
totalmente social e ilógica. Sim, durante anos demais me achei a pior em tudo
no meu grupo de amigos: a mais feia, a mais chata, a mais burra, a menos
promissora; mas, o que ninguém me contava nessa época era que esse sentimento
era bastante recorrente em todos, ou seja, todos se autossabotavam e não admitiam
isso para os outros (cada um em seu grau, obviamente).
Até mesmo no assunto dos relacionamentos interpessoais
é perceptível sua presença. Neles, a autossabotagem acontece
indiscriminadamente, já que, por uma necessidade de aprovação alheia,
preferimos nos prejudicar do que tentar, de alguma forma, equilibrar a
situação. Nas relações afetivas, esse quadro pode se agravar até tornar-se
irreversível: é muito difícil o convívio com o outro e para evitar determinados
conflitos (seja ele com o outro ou consigo mesmo – vale lembrar que o medo da
solidão leva a atitudes irracionais e absurdas) é mais fácil escolher o caminho
traçado por você, velho conhecido.
Por isso, sem mais delongas, venho até você,
autossabotagem, dizer algo muito importante: creio que sempre estará por aqui,
pronta para me fazer desistir ou me colocar no chão, já que sua existência
depende disso; mas cheguei à conclusão de que preciso dar um basta. Apesar de
ser inerente ao ser humano se autossabotar, eu tenho estudado formas e tenho
tentado, ao máximo, me desvencilhar dessa vida conduzida por a sensação
incapacitante que você sempre me deu. Decidi, então, tomar uma atitude
drástica: vou agarrar, com todas as minhas forças, todos os bilhetes de viagens
extraordinárias que a vida me der. O erro, as falhas e os infortúnios são,
antes de mais nada, essenciais para o crescimento pessoal e não será você que
me impedirá de conhecer tudo o que a vida tiver para me oferecer. Nós, seres
humanos, somos os principais donos do nosso destino e eu, decidida como estou,
não deixarei jogado o meu futuro para você mais.
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