domingo, 23 de abril de 2017

Carta ao medo

Conversava agora pouco com uma grande amiga sobre relacionamentos. Ela, apesar de mais jovem do que eu, depositou em minhas mãos uma sabedoria infinita: a falha dos relacionamentos atuais está no medo. Ao refletir sobre isso, após um longo banho quente, pude concluir que é realmente isso que impede grande parte dos relacionamentos acontecerem e, por isso, resolvi escrever a você, medo.

Ao contrário da insegurança, que apenas paralisa, o medo nos transforma. É justamente você que me fez mudar de planos algumas vezes e que, na maioria dessas vezes, seriam ideias geniais. Nos relacionamentos, como já disse, é você que faz as coisas serem superficialmente chatas, insignificantes e sem sentido. Como hiperbólica que sou, não sei lidar com o medo deixando as coisas muito rasas.

Mas não vim falar de relacionamentos (esse assunto é para outra hora e difícil demais para falar) e sim do que é o medo frente ao que vivemos. Já disse para alguns conhecidos seus como sou de uma geração de frustrados. O que não abordei ainda é o fato de que é você um dos principais responsáveis por essa frustração: ao vermos uma geração passada que pouco tinha, mas que muito conseguiu, ficamos aflitos com o fato de que temos as coisas de modo muito mais fácil. Dessa forma, muitas vezes não agimos por medo de não conseguirmos atingir nada, mesmo com os meios facilitados. E, a partir daí, entramos em mais um dos infinitos ciclos viciosos, porque temos medo de não conquistamos nada e, ao mesmo tempo, temos medo de agir – esse, na verdade, é um ciclo vicioso bem inerte.

Eu mesma me apoio confortavelmente em seus braços. São raras as vezes em que eu coloco minha cara a tapa e te escondo, medo, em uma caixinha e consigo seguir em frente: é mais fácil ter o apoio daquilo que é tão familiar do que nos arriscarmos no desconhecido. Mas, para deixar bem claro, não é de facilidade que vivemos e sim de conquistas, sendo que você, velho conhecido, tem nos direcionado ao fácil e não à conquista, ao sabor da vitória após tentativas.

Por isso, ao perceber sua presença constante na vida de todos a minha volta (inclusive na minha – e de forma bem acentuada), resolvi te escrever e esclarecer algo: nós vivemos apenas uma vez (não vamos entrar em méritos das diversas crenças religiosas: vamos apenas deixar claro que, enquanto vivos, nos lembramos apenas da realidade na qual estamos inseridos). Nada levamos dessa vida e você, querido amigo, é responsável por impedir que as coisas aconteçam e que memórias sejam formadas. Sim, as dores da frustração e das falhas são difíceis de lidar: somos programados para a perfeição; no entanto, permitir que a sua presença predomine no cotidiano é a permissão mais – desculpe o termo – burra que nós, seres humanos, podemos fazer. Venho, portanto, com um aviso prévio: estou sim me permitindo viver e sem você, medo.
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